terça-feira, outubro 04, 2005

"Alcunhas do meu País" - Parte III

"Pichota d'Areia Mijada
Na escola, o Armando era um bexigoso. Eram pústulas tão grandes e disformes, que o próprio Armando chegava a confundir algumas com o seu próprio nariz. Uma, em especial, era um depósito do mais fétido e rançoso pus de que há memória. Aliás, o professor deHistória usou o Armando numa apresentação sobre a peste negra. Assustador. Mas não era só como borbulhento que o Armando era conhecido. Ele era também um punheteiro. Punheteiro, mas com um ritual. No balneário do ginásio, tinha por hábito espremer as borbulhas todas da fronha. Faltava às duas aulas seguintes, só para poder escarafunchar devidamente naquelas furna à escala. Depois, ainda apanhava um ou dois pontos negros, juntava a enxúndia toda e tocava uma zumbinha, usando o sebo como lubrificante. Detanto untar o pau com acne, a própria pichota acabou bexigosa – lembro-me até que ele a tratava carinhosamente por “Zé Pintinhas”. Aquilo parecia uma castanha pilada, caralho! Ao aliviar a coceira, arrancava as crostas, maneira que, por alturas do 2º Período, omadeiro do Armando parecia corroído pelo caruncho. Vem daí a alcunha “Pichota d'AreiaMijada”. Parecia uma flauta paradoxal: tinha uma data de buraquinhos para se pôr os dedos, mas, quando soprada, a única nota que se ouvia era “sug! sug!”. O tarolo do Armando permanece, até hoje, desfigurado. Mas, como nem tudo na vida é azar, farta-se de fazer dinheiro: é a imagem publicitária de uma marca de queijo suíço.
Esguicha-Granizo
Esta alcunha – que podia perfeitamente ser um apelido alentejano – granjeou-a um colegado meu avô. De seu nome Andrade, era um homem permanentemente atacado por lassidão intestinal. Uma diarreia tal, que fazia com que cada peido seu, por mais inocente e discreto, transformasse uma cueca numa embalagem postal. Farto disso, e já sem dinheiro para roupa interior, o Andrade resolveu auto-medicar-se radicalmente ee svaziou uma caixa de Ultra-Levur em meia-hora. Ora, a auto-medicação é como o autobroche: muito poucos conseguem levar a cabo em termos e, invariavelmente, acabam por se magoar. No caso do Andrade, as consequências foram dramáticas. O químico não se limitou a actuar no sistema digestivo e transbordou para outras paragens. Afectou uma data de funções biológicas, mormente a do sistema caralhal. Resumindo: em vez de se limitar a endurecer o cocó, o remédio foi longe de mais e, entre outras coisas, acabou por também tornar rija a langonha. O resultado está bom de ver, claro. Cada punheta doAndrade transformou-se numa saraivada de berlindes de nhanha. Aquilo era uma granizada tal, que o Andrade não se vinha, o Andrade chovia! Parece que o gajo ainda tentou disfarçar, mas a quantidade de azulejos rachados na casa de banho dos homens começou a levantar desconfianças. A confirmação veio quando a Celeste – a muda da reprografia, que aviava o pessoal da repartição, em troca de um nata e uma meia de leite, na pastelaria lá da rua – apareceu com hematomas vários na cara, um olho vazado e dois dentes partidos. Normalmente, ninguém desconfiaria. Sucede que, no entanto, o Rocha – da contabilidade, que costumava bater em pegas – estava de férias. A suspeita recaiu sobre o Esguicha-Granizo e ele teve de confessar. A vergonha fê-lo despedir-se e o meu avô nunca mais ouviu falar dele. Mas conta-se por aí que teve um desfecho triste: casou três vezes – o sonho dele era ter filhos – e às três mulheres furou os ovários. Acabou sozinho e foi encontrado morto na sua casa-de-banho, calças pelos tornozelos e um hematoma na fonte, causado por um cristal de meita. Acidente ou suicídio? Ninguém sabe."

Transcrito de "O Meu Pipi"

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